Uma
História de fé
Por Kadrizy
Mello
Para Cleber Goulart Mello...
E para você, que está lendo essa singela obra,
e que de alguma forma, fez parte dessa história. Seja com um abraço, com uma
palavra de conforto, ou pelo simples fato de estar perto. Sinta-se agradecido.
‘’E sabemos que todas as coisas contribuem
juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados
segundo o seu propósito.’’
Romanos 8.28
Parte 1
Antes da cirurgia
1
Havíamos
completado exatamente sete meses de casados quando tudo começou. Um tempo
extremamente curto. Meu marido, Cleber, atualmente com 28 anos, passou a sentir
insuportáveis dores de cabeça. Seu estômago não suportava a sopa mais rala da
minha mãe, feita especialmente para ele.
Fomos
inúmeras vezes na emergência e em hospitais mais próximos, porém, nada era
feito, além da medicação na veia e um hemograma. Ninguém sabia ao certo o que
ele tinha. Alguns médicos suspeitavam de gastrite, outros, de uma possível
bactéria no estômago, mas ninguém apresentava um diagnóstico 100% confiável.
Certo dia
quando estávamos saindo da emergência, o braço esquerdo dele começou a se mexer
involuntariamente. No começo, achei que ele estivesse brincando, mas depois, percebi
que ele não parou, e a movimentação do braço passou a ficar mais intensa.
Pensamos que fosse reação da medicação que ele acabara de tomar, então,
voltamos para a emergência imediatamente. Pediram que ele entrasse no
consultório. Não me deixaram acompanhá-lo. Fiquei do lado de fora. Um caroço passou
pela minha garganta. Segurei para não chorar.
Até então eu
estava tranquila. Não havia me dado conta da gravidade do problema. Pensei que
passaria logo e tudo voltaria ao normal, afinal, tínhamos planos para nosso
futuro. Mas, infelizmente, eu estava enganada. O problema era bem pior do que
eu imaginara. Nossos planos foram frustrados. Existe uma frase que define bem
esse momento: Ideias, sonhos e esperanças
crescem em nós, e depois são esmagados pela dura realidade.[1]Mas nada passa desapercebido aos olhos
de Deus. Nenhuma folha cai sem a sua permissão e todas as coisas cooperam
para o bem daqueles que o amam [2]
***
Meu pai estava construindo a casa de um médico cardiologista
do hospital Regional de São José (Grande Florianópolis), Dr. Cristiano. Deus
tem seus meios de trabalhar, e Ele coloca pessoas em nosso caminho para nos
ajudar. Quando meu pai comentou com o doutor sobre meu esposo, ele disse que
poderíamos ir até o hospital, pois nos daria uma força.
Fomos
até o hospital, e não precisamos passar
pela emergência, onde havia muitas pessoas com malas, travesseiros e cobertores,
esperando horas para serem atendidas. Entramos direto, eu, meu esposo, meu pai e
minha mãe. Fizemos a ficha dele e depois aguardamos em uma sala. O Dr.
Cristiano era bastante influente lá dentro, o que fez com que meu esposo
passasse por vários médicos no mesmo dia. O Investigaram de quase todas as
formas. Muitos exames foram feitos, e dentre eles, um raio-X do tórax, onde
encontraram algo.
***
Eu me
sentia insegura vendo todas aquelas pessoas doentes e acamadas pelo corredor.
Quase sempre ouvia histórias de como fulano havia sido acometido de um derrame
cerebral. Isso tudo me deixava com medo. Medo de andar com ele pelo hospital,
medo de descobrir o que ele tinha e medo de não ser forte o suficiente para
suportar. Por causa disso, minha mãe entrou com ele no consultório para analisar
o raio-X.
Foi
encontrada uma manchinha no pulmão. A princípio, poderia ser uma cicatriz de
alguma pontada que ele teve quando criança, porém, era pior. Posteriormente,
descobrimos através de uma tomografia computadorizada do tórax, múltiplos
nódulos pulmonares profundos e moles.
Depois
de passar o dia inteiro no hospital, sem alimentar-se direito, meu marido foi
internado na emergência. Era preciso investigar o foco da manchinha no pulmão.
Meu pai comprou algo para eu comer, e eu disse que gostaria de ficar com ele
naquela noite. Meus pais foram embora, e nós, ficamos lá na emergência. Ele em
uma poltrona, eu, em uma cadeira comum. Tentei pegar no sono enquanto ele
dormia, mas toda vez que fechava os olhos, chegava uma enfermeira para trocar o
soro de alguém da sala, ou, chegava algum paciente gritando de dor. Era impossível
pregar o olho.
Eu me
deitei sobre as pernas dele encolhidas na poltrona e fiquei ali, simplesmente
esperando a hora passar, cochilando de vez em quando. Pensei que eu era a
pessoa mais certa para estar ali. Pensei no que iria acontecer dali para
frente. Imaginei o que ele poderia ter e o quão grave poderia ser sua
enfermidade. Podemos pensar em um milhão de coisas em uma madrugada que parece
não ter fim. E o fato de estar em uma simples cadeira, era o pior de tudo. Mas
eu estava com ele, e isso era o que importava.
Sabe
aquele juramento que os noivos fazem no dia do casamento? “Na alegria ou na
tristeza, na saúde ou na doença...’’ Pois é, muita gente nem se dá conta do
juramento que faz, e na hora da dificuldade, simplesmente abandonam seu cônjuge. Não que eu esteja me
gabando, mas eu sabia qual era o meu papel e o quão importante deveria ser.
"O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não
se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se
ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se
alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.’’[3]
***
Acordei
com minha sogra me chamando, eu havia pegado no sono somente quando clareou o
dia, o que não durou nem cinco minutos. Ela disse que eu poderia ir embora e
que ela ficaria com ele. Seu olhar estava assustado e com pena por eu ter
dormido na cadeira. Despedi-me do meu esposo com dor no coração e um nó na
garganta. Não queria deixá-lo ali. Meu sogro me levou para casa.
Voltei
para o hospital no dia seguinte. Minha sogra estava com um papel na mão, no
qual continham informações sobre os horários das refeições para acompanhantes.
Quando olhei para ele, os olhos brilharam ao me ver, e um sorriso surgiu em
seus lábios. Ele me contou sobre os exames que havia feito e me mostrou uma
pinta de caneta no braço - um tipo de teste para saber se estava com
tuberculose - mas o resultado foi
negativo.
Após
três dias ele recebeu alta do hospital, visto que estava aparentemente bem e
não descobriram mais nada sobre a doença. Eu estava em casa quando ele me ligou
para dar a notícia. Era perto do meio dia. Fiquei feliz por ele estar vindo
para casa, e triste, por não saber o que
ele tinha de verdade. Ficou agendada uma consulta com o pneumologista, para
analisar melhor a mancha no pulmão.
Meu pai
foi buscá-lo no hospital. Eu e minha mãe ficamos em casa preparando o almoço.
Quando chegaram, percebi que ele não estava tão bem quanto pensei que estaria. Na volta para casa, sentiu a
pior dor de cabeça de toda a sua vida. Uma pressão terrível. Tiveram que parar
o carro para ele vomitar.
2
Os dias até a consulta com o pneumo
foram longos. Ele não se alimentava direito e de vez em quando tinha espasmos
musculares na mãe esquerda. Não sabíamos o que era, e os dedos começaram a
atrofiar. Compramos uma munhequeira pela internet que, sinceramente, não ajudou
em nada.
Quando chegou o dia da consulta, fomos
eu, ele, minha mãe, minha sogra e meu sogro. Aguardamos com outras pessoas que
estavam esperando outros procedimentos. Meu sogro aguardou no carro. Não
sabíamos o que aguardávamos. Uma possível biópsia talvez. Minha sogra falava
alguma coisa, mas eu não ouvia, estava com a atenção voltada para ele.
Quando chamaram, deixei que minha sogra
fosse com ele, em parte porque eu tinha medo. Aguardamos do lado de fora. Algum
tempo depois, saíram da sala para uma tomografia do crânio. O médico desconfiou
de algo relacionado ao sistema nervoso, por conta dos movimentos involuntários
da mão. Eles voltaram da tomografia e entraram na sala. Um tempo depois, minha sogra saiu da sala com os olhos cheios
de lágrimas. Fez um gesto com a mão em formato de um círculo e veio até nós.
Contou-nos que ele estava com dois tumores cerebrais. O maior era do tamanho de
um maracujá e se localizava na parte frontal do lado direito. O menor, na área
motora da mão esquerda, por isso os movimentos involuntários, que na verdade,
nada mais eram do que convulsões parciais.
Se havia uma maneira de reagir àquela
notícia, eu não sabia qual era. Como se reage a uma notícia assim? De repente,
era como se o mundo tivesse parado. Esqueci de respirar, não ouvia e não via
mais nada e nem ninguém. Não é incrível como a vida é uma coisa e
então, de repente, torna-se outra? [4]Quando
me dei conta, uma frase saiu pelos meus lábios, “Ele vai morrer?’’ Minha mãe
murmurou algo para me acalmar e consolar, mas sinceramente, eu não ouvi. Eu
parecia controlada por fora, mas por dentro, era uma explosão. Explosão de
sentimentos e pensamentos. Minha mãe havia perdido seu pai para o câncer. O
câncer literalmente tomou conta dele, até seus órgãos não funcionarem mais. E
tudo isso me veio a memória. Meu esposo, que eu tanto amava, estava com câncer.
Eu não queria acreditar nisso, mas precisava.
Quando contamos para meu sogro, não
demorou muito para as lágrimas inundarem seus olhos. Ele estava em choque, de
uma maneia que eu nunca havia visto antes. Eu imaginava o que ele estaria
pensando, se é que conseguia pensar em alguma coisa. Homem não chora, até o
momento de receber uma notícia que abale suas estruturas.
***
Meu esposo foi internado imediatamente.
Ele precisava fazer uma cirurgia para a retirada do tumor maior, antes que o
mesmo parasse seu cérebro. Os médicos não acreditaram que ele ainda estava
andando e falando. Era para ele estar em coma. Fui vê-lo em uma sala de observação
e ele estava deitado em uma maca. Quando me viu, começou a chorar, e eu me
segurei para não chorar também. Um nó passou pela minha garganta, mas sabia que
não deveria chorar. Sabia agora mais do que nunca que precisava ser forte.
Gostaria de saber o que passava pela
sua mente naquele momento, talvez milhares de pensamentos, talvez nenhum. Ele
me olhava, seus olhos insondáveis inundados de lágrimas. Foi aí que percebi que
eu precisaria ser forte. Ele precisava de força, segurança, e eu devia passar
isso a ele.Você nunca sabe a força que
tem até que a sua única alternativa é ser forte! [5]
***
Nós conseguimos um quarto logo, o que
foi um alívio, porque ficar na emergência não é a coisa mais confortável do
mundo, além de sempre chegar um pior que o outro, nunca temos sossego. O
paciente da cama ao lado era um senhor de idade, que parecia imóvel, respirando
por aparelhos. Estava em estado vegetativo. Sua esposa era uma senhora baixa de
cabelos curtos e pretos. Seu olhar esgotado e cansado aguardava somente a morte
de seu marido. Ela era gentil conosco e sempre nos dava as informações sobre o
hospital.
No dia seguinte, logo de manhã, um dos
melhores médicos e sua equipe vieram nos visitar. Eles tiraram toda a roupa do
meu esposo, procurando por uma pinta. Ele sempre teve muitas pintas escuras e
diferentes pelo corpo, mas pelo visto, não encontraram o que procuravam. O
médico me chamou para fora do quarto tentando sentir pena de mim, mas era frio.
Foi curto e grosso:
- Seu esposo está com câncer maligno e
metastático, não sabemos o foco da doença,
mas em breve ele será encaminhado para o CEPON[6],
pois precisa de quimioterapia.
- Tem cura? Eu disse.
- Não tem cura. Seja forte, ok?
Respondeu.
Eu não sabia se contava para ele ou
não. Imaginei que se o médico havia me chamado para fora do quarto, certamente
não era para eu contar. Eu já conhecia tudo isso. CEPON, quimioterapia... CEPON
é um Centro de Pesquisas Oncológicas para tratamento de pacientes com câncer.
Meu avô havia ficado lá, esperou por uma quimioterapia que nunca foi feita,
pois não havia mais jeito. Eu não conseguia esconder dele o que o médico disse.
Ele queria saber, e se eu estivesse no lugar dele, também não gostaria que me
escondessem. Então falei.
3
Um tempo depois mudamos de quarto. O
outro quarto era excelente. Sua cama ficava ao lado de uma janela grande e
ventilada que dava para o estacionamento. Era um dos melhores quartos. Especial
para pacientes que estavam se recuperando da cirurgia. Nós ficamos ali exatos
32 dias esperando pela cirurgia. O mês mais comprido de nossas vidas. Parecia
na verdade, um ano. Muitas pessoas da família e amigos iam visitá-lo. Lembro-me
de uma vez que foi tanta gente para visitá-lo, que a maioria não conseguiu
entrar. Observávamos eu e ele pela janela. Ele acenava. Realmente muitas
pessoas estavam comovidas. Foi incrível receber o carinho de tantas
pessoas que nem imaginávamos conhecer. Ganhamos muitos amigos especiais que não
teríamos conhecido se nada disso tivesse acontecido.
Nós revezávamos para ficar com ele no
hospital. Não que ele precisasse, mas era bom ter uma companhia. Levamos uma
cadeira de praia grande que deitava e forramos com cobertores. Era inverno. Se
eu tinha casa nem lembrava mais. Só ia para casa para tomar banho e passar a
noite quando era o dia de outra pessoa acompanhar ele. O hospital era bem longe
de casa, mas meu pai me levava todos os dias. Ele nunca reclamou, pelo menos não
para mim, mas imagino que gastava horrores de gasolina.
Nossa vida estacionou. Eu estava de
férias do colégio. Era julho. Quando as aulas retornaram , eu não voltei para o
colégio(Depois que tudo passou, concluí meus estudos). Sinceramente, não
conseguia pensar em mais nada. Eu gostava de ir para o hospital, por mais que
pareça estranho. Eu gostava pelo simples fato de ficar com ele. Era o que me
animava. Sempre quando eu chegava ao hospital, ele estava me esperando com um
sorriso no rosto. Como ele poderia sorrir? Eu não compreendia, mas gostava de
vê-lo assim. Pensei que ele poderia viver mal humorado e reclamando da
situação, pois é o que muitas pessoas fariam no lugar dele, mas não, ele não
reclamava, e estava mais confiante do que qualquer um.
Admiro a maneira como ele se esforça
para agradar a Deus. E sei o quanto ele sofre por isso. Na vida fazemos
escolhas que podem ser decisivas para nosso futuro. Ele escolheu adorar a Deus ao
invés de reclamar, e Deus ia trabalhando enquanto isso. Ás vezes, Deus permite
certas coisas em nossas vidas, para que
assim, venhamos ter mais intimidade e experiência com Ele, e aprendamos a viver
na dependência dEle. Pode ser que não entendamos no começo qual é o propósito
dEle, pois só enxergamos o visível, mas Deus enxerga além. Ele é soberano!
Deus
não faz nada sem propósito. Ele fez cada um de nós com um propósito específico
em mente. Ele também prometeu trabalhar em nós para cumprir esse propósito. É
essa promessa que me faz continuar na Casa da Esperança. Muitas vezes não
conseguimos realizar o que Deus nos chamou a fazer. Esses são os momentos
quando ele nos chama para ser mais íntimos dele. Ele nos mostra as áreas que
necessitam de aperfeiçoamento a fim de que possamos caminhar em obediência a
seu propósito para nossas vidas. O propósito de Deus para nós é que cumpramos
sua perfeita vontade.[7]
Nós nos divertíamos muito no hospital.
Ele queria comer de tudo, então sempre levávamos algo para ele comer, além da
janta do hospital. A sua mãe levava lasanha, meu pai levava pizza e ás vezes
lanche. Ficar sem fazer nada quase o dia todo dá fome. Meu pai levou uma TV
para o quarto, então, assistíamos de vez em quando. Ás vezes lia algum livro.
Mais tarde, levamos um notebook, mas a internet não funcionava direito.
O primeiro paciente que ficava na cama
ao lado falava a beça. Até que nos distraía. Havia passado por uma cirurgia há
pouco tempo. Sua esposa, baixa, cabelos curtos e louros, sempre me acompanhava
nas refeições do imenso refeitório. Logo ele foi embora. O segundo paciente era
um tanto engraçado e vivia nos elogiando e admirando. Ele tinha hérnia de disco
na coluna e também aguardava por uma cirurgia. Posteriormente ele ficou bem
mal. Não conseguia caminhar direito, e depois que saiu do hospital, ficamos
sabendo que foi para a cadeira de rodas. Tornamo-nos bem próximos dele e
dividíamos as “gordices”.
***
O aniversário do meu esposo foi
comemorado no hospital, dia 31 de Julho. Levamos bolo e fizemos uma festinha
para ele que, aparentemente, ficou feliz e satisfeito por estarmos ali. Mas lá
no fundo só Deus sabe o que ele sentia por dentro. Se estava preocupado não
demonstrava. Ele nos animava, e eu tinha prazer de estar com ele, acho que
todos sentiam o mesmo.
Depois da Cirurgia
4
O dia da cirurgia parecia que nunca ia
chegar. Aguardávamos por um leito da Unidade de Terapia Intensiva U.T.I, porém,
sempre chegava algum paciente acidentado e ocupava o leito. As articulações do
meu esposo começaram a enformigar. O médico neurologista, Dr. Igor, médico
muito amigo dos pacientes, disse que dali para frente aconteceria isso, enquanto
a cirurgia não era feita. O médico disse também que o tumor estava tão ajustado
ao seu cérebro que não permitia nenhum tipo de incidente como derrames
cerebrais ou perda de consciência. Imagino que qualquer movimento poderia ser
fatal!
Ele trouxe um termo de consciência para
meu marido assinar sobre os possíveis riscos da cirurgia. Dentre eles, estava a
possibilidade de seu lado esquerdo ficar completamente paralisado. Poderia
perder a fala, a visão e até mesmo não resistir a cirurgia. Por outro lado, se
a cirurgia não fosse realizada, ele perderia seus movimentos aos poucos, até
que o tumor tomasse conta do seu cérebro. A cirurgia precisava ser feita, e
logo.
***
Então, no dia 12 de agosto, uma
segunda-feira, ele foi chamado para a cirurgia. Eu, minha mãe e minha sogra, o
acompanhamos até a área restrita. Eu me despedi dele sabendo que poderia ser a
última vez. Ele parecia confiante, mas com medo. Foi a espera mais longa da
minha vida. Esperar enquanto abrem a cabeça da pessoa que você ama não é uma
espera muito confortante. Eu falei com Deus, fiquei um pouco no quarto dele e
depois voltei para sala de espera. Era uma manhã cinzenta para mim, mesmo sem
eu ter visto o dia lá fora, tudo parecia nublado. Apesar de tudo eu estava
confiante. A fé é o firme fundamento das
coisas que não se vêem, mas se esperam[8].
Ás 10:30, a senhora da recepção avisou
que a cirurgia havia terminado, então poderíamos ver ele saindo do centro
cirúrgico e se encaminhando para a U.T.I. Ele ainda estava sob efeito da
anestesia geral e com a cabeça enfaixada. Não sabia que estávamos ali, mas eu o
vi, e ele estava vivo, respirando, era o mesmo, e eu agradeci a Deus. Pouco
tempo depois o médico cirurgião, Dr. André, homem calvo e de poucas palavras,
passou por nós. Estávamos aflitas para saber como havia sido a cirurgia, e ele
disse que foi um sucesso. Agradeci mais uma vez. Ele nos entregou o material
coletado, que posteriormente levamos para a biopsia. O resultado infelizmente
foi o que o médico esperava, e segundo ele, era o pior tipo de câncer; Melanoma maligno secundário e metastático,
estágio 4. Metastático porque se
espalha, através do sangue, por outras partes do corpo.
Melanoma é um tipo de tumor maligno originário dos
melanócitos (células que produzem pigmento) e ocorre em partes como pele,
olhos, orelha, trato gastrointestinais membranas mucosas e genitais. Um dos
tumores mais perigosos. O melanoma tem capacidade de invadir qualquer órgão,
criando metástases, inclusive no cérebro e coração. Portanto é um câncer com
grande letalidade.[9]
***
Quando saímos do hospital ficamos em um
círculo no estacionamento. Estávamos felizes e realizados, porém, cansados. Foi
a primeira vez que todos foram para a casa descansar. Era um alívio saber que
ele estava bem e que uma parte do processo havia sido concluída. Mas, para nossa
tristeza, no dia seguinte, recebemos uma ligação do hospital informando que ele
havia passado por uma complicação. Eu e minha mãe saímos às pressas de casa.
Fomos de ônibus, o que tornou a viagem mais demorada e angustiante, visto que
meu pai estava trabalhando.
Assim que chegamos, uma enfermeira nos
informou que ele teria feito uma nova cirurgia devido a um coágulo de sangue. O
dreno não cumpriu seu papel corretamente. Ela com um olhar de pena falou: “Foi horrível
e ele entrou em coma.” Ele teria forçado
de mais o cérebro na noite anterior mostrando que continuava movimentando
pernas e braços. Resolveram que ele deveria ficar em coma induzido para
descansar. Aguardamos na sala de espera ele voltar da U.T.I. Uma espera
torturante.
Ver ele para mim naquele dia foi uma
das coisas mais terríveis que já presenciei. Ele estava lá, imóvel, respirando
por aparelhos. A cabeça enfaixada e completamente inchada. Se existisse uma
maça roxa, compararia seu olho direito com uma. Seu rosto e pescoço estavam roxo e inchados. Eu não sabia o que falar, e
se devia falar. Será que ele me ouvia? Pensava. Fiquei ali, simplesmente
olhando todos aqueles aparelhos, olhando seu rosto que não parecia o seu rosto.
Seu corpo nu coberto por um lençol. As lágrimas caíram do meu rosto sem que eu
percebesse.
Na quarta-feira a noite ele foi
acordado. Então poderíamos vê-lo e conversar com ele, apesar de que ele não
conseguia falar nada direito. A língua estava muito enrolada. Ele perguntou que
dia era e concluiu que teria dormido dois dias inteirinhos. A sua irmã que foi
vê-lo, disse que ele não estaria falando coisa com coisa. Os efeitos da
anestesia ainda eram muito recentes. Na quinta-feira eu o acompanhei na volta
para o quarto. Ele continuava roxo e inchado. Ao meu ver teria emagrecido 10Kg.
Era só pele e osso. Seus olhos estavam fixos em mim durante todo o trajeto.
Quando chegamos no quarto, ele começou
a falar comigo a respeito de um tio que estava preso e havia sido solto. Eu me
apavorei no mesmo instante e saí correndo pelo corredor. O enfermeiro João,
muito querido por sinal, me atacou pelo corredor e me acalmou. Ele estaria
louco? Pensei. Ai meu Deus! Demorou um pouco para eu compreender que era
normal.
***
Aqueles dias seguintes foram de
aprendizado para ele e com certeza para mim também. Ele aprendera tudo
novamente, a falar, a caminhar. Eu ajudava a enfermeira a trocar as fraldas e a
dar banho de gato. Os primeiros alimentos líquidos foram na ceringa e eu tremia
de medo de afogá-lo. A cabeça pendia para o lado com o peso. Sem sombra de
dúvidas foram dias de tensão. Eu mal conseguia dormir, com medo do que poderia
acontecer. Conversamos com a enfermeira chefe e ela autorizou dois
acompanhantes para ele, afinal, eu ainda era menor de idade.
Certa vez ele teve um pesadelo. Sentiu
que algo lhe sufocava. Acordou assustado e respirando ofegante. Perguntei-lhe
se estava bem. Ele perguntou quem estivera em pé ao lado dele. Mas eu sabia que
ninguém estivera ali. Como eu só cochilava teria acordado se alguém aparecesse
no quarto, e não havia paciente na cama ao lado. Segundo ele parecia tão real!
O médico recomendava, em suas visitas
diárias, que ajudássemos ele a caminhar, afinal, já fazia alguns dias que
estava sem caminhar. Assim que meu pai foi visitá-lo, pedimos a ajuda dele.
Estávamos quase todos lá, eu, meu pai, minha mãe e minha sogra. Meu esposo
vestia uma frauda e uma cueca azul somente, ainda não conseguia se locomover
para o banheiro. Ele começou a caminhar se apoiando no meu pai. Deu alguns
passinhos e fez sinal para ir em frente mas não suportou. Sua pele empalideceu,
o olho virou e as pernas enfraqueceram. Percebi o quanto ele estava magro.
Meu pai imediatamente o tomou pelos
braços, chutou a escada de subir na cama e eu, sem saber ao certo como reagir,
segurei a cabeça dele que pendia com o peso. O apoiamos na cama e rapidamente
percebemos a presença de alguns enfermeiros. Colocaram as pernas dele para o
alto, o que se faz quando a pessoa desmaia, e mediram sua pressão. Devagar, a
cor foi voltando para seus lábios e pele. Então, eu lembrei que respirava.
Minha mãe e minha sogra ficaram totalmente sem reação. Sei disso porque elas
contam, não que eu tivesse visto alguma coisa. Ele teve uma queda de pressão,
visto que estava muito fraco e há dias não caminhava.
***
Assim, os dias foram passando. A cada
dia, um novo aprendizado, uma nova experiência. Após cinco dias de cirurgia,
especificamente no domingo, que eu estava em casa, recebemos uma ligação do
hospital. Lembro-me que estava dormindo no quarto dos meus pais. Tinha medo de
dormir sozinha, e o quarto deles era onde eu me sentia segura. Quando recebemos
a ligação esperávamos o pior. Meu pai atendeu, era a tia do meu esposo que o
acompanhava naquele dia. Eu e minha mãe não escutávamos absolutamente nada do
outro lado da linha, quase não aguentamos de tanta ansiedade e preocupação. Meu
pai dizia alguma coisa do tipo: “Mas como?”,
“Eu não entendo”, ’’Esse médico é louco!’’
A novidade é que ele estava de alta. Eu
não acreditei. Na hora gritei, pulei, chorei, sorri. Foi um alívio saber que
ele viria para casa, mas ao mesmo tempo muito preocupante. Ele ainda estava
muito debilitado. Não sabia como poderíamos cuidar dele em casa. Segundo a tia,
ele teria tomado banho no chuveiro com o auxílio de uma enfermeira. Eu não
conseguia acreditar, pois no dia anterior ele mal conseguia parar em pé. Quanto
progresso!
Meu pai e meu tio foram buscá-lo no
hospital. Eu e minha mãe ficamos limpando a casa. Não nos sobrava tempo para
limpá-la. Higienizamos o quarto e banheiro com álcool, afinal, a cirurgia dele
era muito recente e o risco de infecção era grande. Minha mãe cuidou do almoço
enquanto eu concluía o serviço. Eu estava tão feliz. Só em saber que teria ele
em casa comigo era maravilhoso. Além disso, naquele mesmo dia completávamos 1
ano de casados. Que presente!
Quando ele chegou tomei um susto. Acho
que me esqueci do quanto ele estava debilitado. Mal conseguia andar. A cabeça
parecia um balão, coberta por uma faixa. O rosto e pescoço ainda estavam bem
inchados. Mas ele estava ali, e isso era o que importava. O sentamos no sofá e
tiramos uma foto com os mimos que recebemos dos meus pais por 1 ano de casados,
e por ele estar em casa. Ganhamos um bolinho e um joguinho de xícara de café.
Almoçamos, conversamos e rimos. Foi um momento incrível.
A tia dele nos deu a recomendação
necessária sobre os remédios que ele teria que tomar. Era uma tabela grande.
Minha mãe cuidou disso porque eu, sinceramente, não queria sair de perto dele.
Era como se quisesse aproveitar cada momento. Era tudo muito novo para mim. Uma
experiência e tanto. Fui sua enfermeira, nutricionista, conselheira, e tudo o
quanto tive direito por um bom tempo. Foi aí que aconteceu.
5
A coisa
toda foi assustadora. Eu poderia poupá-los dos detalhes, mas não seria justo.
Também não gosto de lembrar ou falar sobre isso, mas se faz necessário. Todos
os dias acordávamos às 06:00 horas para ele tomar um dos remédios. Certo dia,
quando acordamos, o braço esquerdo dele começou a se mexer involuntariamente
novamente. Das outras vezes, os espasmos eram somente no braço e por um curto
período de tempo, mas dessa vez foi diferente. Já não era somente no braço,
subiu para o ombro, pescoço, cabeça, e em um segundo seu corpo todo estava se
contorcendo.
Eu me
apavorei num piscar de olhos e gritei pela minha mãe que desceu a escada em um
corridão. O deitamos na cama e tentamos virá-lo de lado. Minha mãe sabia o que
fazer. Porém, os movimentos involuntários e seu corpo rígido não permitiam que
o virássemos. Eu gritei pelo meu pai que apareceu logo em seguida. A essa
altura eu já estava chorando, gritando e clamando a Deus para que interferisse
naquilo. Foi um desespero! O chamávamos, porém,
não havia resposta. Seus olhos estavam virando e percebemos que ele não
conseguia respirar, e sim, se afogava com a própria saliva. Meu pai dizia: “Ele
está morrendo!’’
Foi
quando conseguimos vira-lo de lado que começou a reagir, então urinou.
Geralmente quando a pessoa urina é porque perde o controle do corpo, e isso
ocorre quando falecemos. Não sabíamos ao certo se ele estaria reagindo de fato
ou se teria apagado. Eu avisei que não seria fácil falar sobre isso. Realmente
é angustiante. Aquilo era uma convulsão. A pessoa perde total controle do corpo,
por isso, em alguns casos, urina. Só o que se deve fazer é virar a pessoa de
lado para que não se afogue com a própria saliva.
Meu pai
empurrou a mesa da sala que ficava na passagem para a porta. Pegou-o pelos
braços e o colocou no carro no banco da frente. Os movimentos já haviam parado,
mas parecia que estava inconsciente. Naquele mesmo dia, a tarde, teria uma
consulta com o neurologista do CEPON, Dr. André. O hospital Regional já havia
encaminhado ele para lá. Direcionamo-nos para a emergência do CEPON. Minha mãe
sabia o que fazer, por ter passado um tempo com o pai que faleceu de câncer.
No caminho ele voltou ao normal e até falou com a gente.
Disse que ouviu chamarmos ele, mas não conseguia responder. UFA! Realmente foi
um susto que graças a Deus passou. No hospital não havia muito o que fazer além
de exames. Ele já estava se sentindo muito melhor e logo a tarde teria a
consulta. Ficou repousando na cama. A faixa que estava envolvendo a sua cabeça,
havia caído na hora da convulsão, e sua cicatriz de 25 pontos estava á mostra,
o que não era uma coisa muito bonita de se olhar.
Há algo que eu também poderia poupá-los, mas dessa vez, é
algo engraçado, se é que há algo de engraçado nisso tudo. Depois de o susto
passar é que eu e minha mãe reparamos que estávamos de pijama. Eu não tinha ido
ao banheiro, não havia lavado o rosto e nem escovado os dentes. Eu sei que isso
é nojento. O fato é que na hora do ocorrido não conseguimos pensar em nada. Só
pegamos os documentos dele e fomos correndo para o hospital do jeito que estávamos,
de pijama. Então senti frio. O dia era cinzento, nublado e gelado.
Isso tudo foi de mais para mim. Ele esteve entre a vida e a
morte. O medo que eu tinha, a partir daí se multiplicou, e por um longo tempo.
Eu temia que aquilo pudesse acontecer novamente. Temia estar sozinha com ele e
acontecer. Não gostava de sentir medo, mas era inevitável.
***
Na consulta da tarde , o neuro pediu que meu esposo fosse
tirar os pontos da cirurgia. Ele começou a ter os espasmos novamente e eu saí
da sala falando que não queria nem ver. O médico falou para chamar a enfermeira,
e eu saí gritando para quem quer que aparecesse na minha frente. Mas não
encontrei uma enfermeira. Por sorte logo passou. O primo dele foi visitá-lo,
então ele acompanhou meu esposo na retirada dos pontos da cirurgia em uma sala.
Eu e minha mãe ficamos com o médico no consultório. Compreendemos que ele queria
ficar a sós conosco. O que ele precisava falar, não poderia ser na presença do
meu esposo, e isso me causava náuseas.
O médico explicou que ele estava muito doente. Explicou que
começaria um tratamento, mas que costumava não responder ao tipo de câncer
dele. Só não desenganou por meu esposo ser jovem. Imagino que em um senhor de
idade nesse caso, não haveria qualquer possibilidade de se iniciar um
tratamento. Dirigiu a palavra para minha mãe dizendo: “Vai preparando a família.’’
E fitou em mim. Eu sabia o que ele estava querendo dizer. Minha mãe perguntou
quanto tempo de vida ele tinha. O médico não queria falar e insistia dizendo
que poderia se enganar pelo fato de ele ser jovem. Por fim, depois de tanto
insistirmos, ele sugeriu dois anos de vida.
***
Ele foi internado e fez uma radiocirurgia para secagem do tumor menor da área motora da mão. A radiocirugia é um procedimento que permite uma cirurgia cerebral sem a abertura do
crânio, por meio de feixes de radiação. É uma técnica usada pra destruir, por
meio de dosagem precisa de radiação, tumores intracranianos que poderiam ser
inacessíveis ou inadequados para cirurgia aberta.
Ficou internado 16
dias no CEPON, até que recebeu alta. Durante o período de internação, foi
acompanhado por uma equipe oncológica e a Dr. Cecília, uma jovem bonita de
cabelos louros, um amor de pessoa. Raspamos a cabeça dele antes que o cabelo
começasse a cair por conta da quimioterapia, apesar de que após ter feito a
quimio seu cabelo não caiu. Devido a cirurgia, uma parte da sua cabeça estava
raspada e outra não, o que era bem engraçado. Ficou bem melhor depois.
Após ter alta, passou a ser acompanhado semanalmente pela
Dr. Lizana, uma onco absurdamente querida, cabelos pretos e curtos, alta e de
corpo largo, que cuidava de pacientes com a mesma faixa etária dele. Ela tratou
dele com quimioterapia. Na primeira consulta ficamos bem confusos. Eu preferi
que minha mãe entrasse com ele. Como só era permitido 1 acompanhante por vez,
eu e meu pai aguardamos do lado de fora. Demorou muito para chamarem, foi quando
troquei de lugar com a minha mãe que resolveram chamar.
A médica deu vários papéis de exames, consulta de retorno e
encaminhamento para quimio que eu nem sabia o que fazer. Quando avistei minha
mãe joguei na mão dela e ela cuidou de tudo. Após a consulta ele fez a quimio. Até
hoje não me perdôo pela minha insegurança. Vale constar que depois de um tempo,
eu meio que me acostumei com tudo. Cuidava de tudo já. Não dependíamos mais de
ninguém, ele voltara a dirigir e eu passei a me sentir bem mais segura. Mas até
o momento, eu estava me adaptando. Apesar de tudo, sempre fui forte e tive fé.
Somente esperei em Deus e confiei. Sabia que aquilo tudo ia passar, era só uma
fase de experiências.
Os efeitos colaterais da quimioterapia não são boa coisa. Além
do enjôo a imunidade baixa, então o corpo fica propenso a qualquer tipo de
enfermidade. Certa vez, ele teve início de pontada. O levamos para o CEPON com
39° de febre. Então ficou internado por mais 6 dias. Ele não queria ir, pois
sabia que ficaria internado. Não foi nada grave, visto que descobrimos no
começo. Tomou os antibióticos e logo recebeu alta.
As consultas e quimio passaram a ser mensalmente,
acompanhadas de inúmeros exames. Depois de ele ter feito 5 quimioterapias, os
médicos concluíram que não estariam fazendo o efeito esperado. Os especialistas
em melanoma fizeram uma pesquisa e descobriram uma medicação nova e muito
eficaz, mas só era possível conseguir por meio de uma ação judicial, visto que
ainda não era usada em Santa Catarina. Meus pais procuraram o vereador Dalmo e
seu advogado, e entraram com a ação judicial. Com a graça de Deus conseguimos o
vemurafenibe.
***
O tratamento com o vemurafenibe,
acompanhado da mão protetora de Deus,reverteram o quadro clínico dele. Os
médicos passaram a vê-lo por outro lado. Os tumores do pulmão diminuíram, e
pela tomografia só constava 1, onde antigamente encontravam-se múltiplos. O tumor
tratado pela radiocirurgia, por consequência,
diminuiu, e tudo estava se encaminhando perfeitamente. Incrível a maneira como
tudo foi se encaixando no devido lugar com a graça de Deus. Eu só posso agradecer
a Ele todos os dias da minha vida, e ainda é pouco. Quem somos nós para
questionar o querer dEle? Nosso fôlego de vida é dEle!
Seguimos um tempo com o vemurafenibe, até que novos tumores
surgiram na cabeça. Foram mais dois. Não ao mesmo tempo. Primeiro um, depois
outro. Foi feito novamente radiocirugia, e
duas. Uma pior que a outra, cada vez mais torturante. A última que ele fez até o momento, sinceramente, pensei que não
fosse suportar. A única desvantagem da Radio, é o capacete que segura os demais
aparelhos, que é parafusado diretamente na cabeça. São quatro parafusos, o que
causa uma tremenda dor de cabeça. Mesmo com a anestesia local, a dor é
inevitável.
Confesso que também senti a dor. Não
dor física, uma dor interior ao ver ele naquele estado. Depois de um tempo com o capacete quase não
suportou de dor. Vomitou e a pressão foi lá em baixo. As enfermeiras ligaram um
aparelho para medir a velocidade dos batimentos cardíacos. Ouvir o som do seu
coração bater foi algo extremamente angustiante para mim. Era como se a
qualquer momento pudesse parar de ouvir. Seguiu-se o silêncio na sala. Somente
o som do seu coração. Isso me causou um terrível embrulho no estômago. Deixei a
sala e fui dar uma volta do lado de fora do hospital. Foi bom pegar um ar.
Como o esperado, as radiocirurgias
fizeram efeito, e os tumores foram diminuindo, apesar de não estarem muito
avançados, já que foram descobertos no começo. Ele começou um tratamento novo
no lugar do vemurafenibe. É uma
quimio via oral com o dabrafenibe e
trametinibe, que prometem ótimo resultado na parte neurológica, já que a
parte do pulmão estaria controlada. Realmente notamos uma boa melhora no quadro
dele. O importante é que o tratamento não permita surgimento de novas lesões e
estabilizava os tumores que já existiam. E quando eles diminuem, é um bônus e
tanto.
Passaram-se três anos e ele permaneceu vivo para a Glória de
Deus. E assim vamos levando. Hospital, consultas, exames... Temos uma vida
normal, fazemos coisas de pessoas normais, mas vivemos a cada dia na
dependência de Deus, permitindo que a sua vontade seja feita, vencendo a cada
dia o seu mal, aproveitando cada momento para agradecer. Tivemos fé... Foi o
suficiente!
Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não
vemos.
Hebreus 11:1
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